Grupo de Trabalho vai aprofundar debate antirracismo na formação profissional.

A formação profissional em Serviço Social no enfrentamento do racismo é uma das prioridades de luta da Comissão de Trabalho e Formação Profissional do CRESS-PR, alinhada ao plano de lutas para 2020, do conjunto CFESS/CRESS. O Grupo de Trabalho (GT) de Defesa da Luta Antirracista, criado pela Comissão, dá encaminhamento a essa pauta urgente, e convida os/as assistentes sociais que estão organicamente atuando nesta luta a somarem forças.

Marcelo Nascimento de Oliveira, articulador do GT e integrante da Comissão de Trabalho e Formação Profissional, afirma que esta pauta foi construída a partir das ações articuladas com CFESS, ABEPSS e ENESSO, com o objetivo de pensar estratégias e ações para subsidiar o debate sobre a questão étnico-racial.

“Estamos aprofundando o debate da luta antirracista na formação, considerando o desafio histórico que temos e o contexto atual de acirramento do conservadorismo e do reacionarismo, que afeta de forma brutal a população preta”, diz.  “Queremos organizar os/as assistentes sociais que têm participado de forma orgânica da Comissão de Trabalho e Formação Profissional e os/as que atuam em instituições de ensino. Pretendemos mapear as ações e discussões, principalmente nas UFAS, para fortalecermos os encaminhamentos existentes e implementar novas estratégias de luta antirracista na formação profissional.”

Representante de graduação na ABEPSS Sul 1 e integrante da ENESSO RVI, Ana Luíza Bruinje, fala sobre a luta antirracista na formação profissional. Ela é estudante do 4º ano de Serviço Social da UFPR Litoral, em Matinhos (PR).

De que forma o racismo se apresenta no cotidiano da formação profissional?

Com relação ao cotidiano da formação profissional, atravessado pelo racismo estrutural, temos que elencar alguns elementos urgentes: a falta de docentes negras, não só no âmbito da graduação e pós-graduação em Serviço Social, mas nas outras áreas também; o número pequeno, embora maior do que antigamente, devido às cotas sociais e raciais no ensino público e superior, de estudantes negras e negros; e o espaço em que os corpos negros estão majoritariamente, como nos serviços prestados às Universidades através de empresas terceirizadas, configurados como precarizado, flexível e instável. Outro elemento urgente a ser destacado no cotidiano da formação, é o afastamento majoritário da abordagem, pela graduação (local, de onde posso falar) da questão racial como fundante da questão social, atravessando e determinando assim, a configuração do modelo de sociedade capitalista no Brasil, da formação da classe trabalhadora, das modalidades sistemáticas de exploração, e portanto, da constituição do exercício profissional e objeto de trabalho do Serviço Social.  Outra questão, por fim, para destacar no cotidiano da formação, é a atuação dos movimentos estudantis antirracistas, que pressionam sujeitos, instituição e estrutura social, forjadas no racismo, pela discussão da temática étnico-racial como central à formação não só do Serviço Social, mas de todas as áreas do conhecimento, desvelando o processo de embranquecimento violento que foi implementado no Brasil e como esse processo gerou um projeto genocida em curso. Os movimentos apontam ainda a necessidade de posicionamento e reconhecimento dos privilégios das pessoas brancas, também dentro do âmbito da Universidade, como ferramenta de denúncia e mecanismo de potencializar a luta antirracista, utilizando desses privilégios estruturais históricos para desconfigurar o modelo atual de exploração capitalista-racista-patriarcal e reconfigurar um novo modelo de sociedade baseado na liberdade, na não-exploração e na emancipação humana.

Sobre os privilégios das pessoas brancas na Universidade, como estudante, o que você tem presenciado?

Os privilégios das pessoas brancas na Universidade se dão de inúmeras formas. Podemos citar a facilidade de fazer uso das políticas de educação do ensino básico e fundamental com qualidade e dedicação exclusiva, levando em consideração os elementos econômicos, políticos e ideológicos que fundamentam o racismo estrutural, o que representa uma facilidade em acessar a Universidade. Por si só, esse privilégio configura outros, como estar em um espaço majoritário de pessoas brancas que, historicamente, não contestam seus privilégios, reproduzindo assim a lógica de exploração. Outro privilégio está representado, estruturalmente, na abordagem, tanto dos currículos como por parte de, digamos, um grupo do corpo docente e estudantil, de reproduzir uma perspectiva da formação sócio-histórica brasileira e ocidental que naturaliza o racismo, a exploração racista, a racialização dos corpos negros e o lugar histórico e socialmente determinado, que ocupam, dada a construção da supremacia branca.

Por fim, mas não último, há a questão da permanência estudantil, que, devido ao desmonte das políticas públicas e sociais e a diminuição do número e valor das bolsas de permanência, assim como, novamente, a estruturação das relações de classe no Brasil, atravessadas por determinantes raciais e patriarcais, afetam diretamente, e principalmente, a população negra e indígena, ou não-branca, levando a evasão desses estudantes, caso não sejam garantidos os devidos direitos de acesso e permanência. O privilégio branco está em não ser o alvo direto do desmonte das políticas públicas e sociais. Como já nos disse uma campanha do CFESS, “Se cortam direitos, quem é preta e pobre sente primeiro.”

Como você avalia a importância de inciativas como a criação do GT em defesa da luta antirracista na formação profissional?

Acredito que a construção do GT em defesa da luta antirracista, criado pela CT de Trabalho e Formação do CRESS-PR, além de necessário, é urgente. E não é urgente agora, é historicamente. Se pensarmos que as Diretrizes Curriculares são de 1996, e já pautavam o debate da questão étnico-racial na formação, as estratégias de enfrentamento do racismo estrutural, com ênfase na formação, já poderiam estar desenhadas e articuladas. O que se tem, primordialmente, é uma árdua trajetória de lutas antirracistas por parte de estudantes, profissionais e docentes negras. Tendo também, em 2018, a construção pela ABEPSS dos Subsídios para o debate étnico-racial na formação profissional. Sendo assim, é fundamental que as Unidades de Formação Acadêmicas, ou seja, as instituições de ensino, no âmbito da graduação e pós-graduação, assim como estudantes, participem e construam esse GT, para coletivamente “corrermos através do tempo perdido”, com coragem e ousadia, para avançarmos realmente rumo à emancipação humana.