Dia do e da Assistente Social: representantes indígenas, quilombolas e de comunidades de terreiros contam sobre seus desafios e dificuldades no 1º dia de evento

O CRESS-PR realizou nessa segunda-feira (17) o primeiro dia do evento alusivo ao Dia do e da Assistente Social, que seguiu a temática do Conjunto CFESS/CRESS, cujo tema é “Trabalho pela vida e resistência dos povos originários e comunidades tradicionais”. A live, que também foi retransmitida pelo CFESS, passou de 264 pessoas simultâneas ao vivo e já conta com mais de mil visualizações de assistentes sociais de todo o Paraná e até mesmo de outras regiões do Brasil. Confira aqui como foi o primeiro dia.

Hoje, a partir das 19 horas, acontece o segundo dia de evento, com a participação de diversos povos tradicionais e de Clemilda Santiago Neto, Presidenta do Conselho Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais. Confira a programação completa. Para receber o seu certificado de participação preencha seus dados no formulário aqui. O evento será transmitido pelo Youtube do CRESS-PR.

O evento foi conduzido pela assistente social e ex-ministra do Desenvolvimento e Combate à Fome, Marcia Lopes, e contou com a participação de importantes representantes paranaenses dos povos indígenas, quilombolas e das religiões de matriz africana, além de contar com a participação da intérprete em libras, Gabriela Alves.

Na abertura do evento, a presidente do CRESS-PR, Andrea Braga, destacou algumas das importantes ações realizadas pelo Conselho ao longo da pandemia (essas ações podem ser conferidas aqui) e ressaltou a importância da atuação de assistentes sociais junto a povos e comunidades tradicionais, relembrando a data do dia 15 de maio.

“O mote do 15 de maio, “Há mais de 500 anos, sempre na linha de frente”, vem reafirmar o projeto profissional na defesa dos povos originários e tradicionais, reforçando a nossa atuação na defesa e resistência junto às comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, caiçaras, de pescadores artesanais, ciganas e muitos outros, que estão não só campo, mas também nas cidades, lutando por suas vidas e pela valorização e preservação de uma história que também é nossa. Temos como agenda da nossa categoria a relevância do aprofundamento do debate sobre as comunidades tradicionais, o aparato legal (legislação) que as regem, o estudo sobre o acesso desses povos às políticas públicas, apoiando a luta pela demarcação das terras. As e os assistentes sociais estão juntos na articulação e apoio às lutas dos movimentos sociais pelo direito à terra, pela moradia digna e pelos direitos dos povos originários”, explicou.

A abertura do evento contou ainda com a participação de Daniela Moller, conselheira representando o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), de Kathiuscia Coelho, vice-presidente regional representando a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), e de Vitória Miranda, coordenadora da Região VI representando a Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (Enesso).

Na sequência foi a vez de dar voz aos representantes de povos tradicionais que puderam falar mais sobre seus desafios e lutas nos tempos atuais. Ana Maria Santos da Cruz, representante da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e que vive na Paiol de Telha, em Guarapuava, única comunidade quilombola titulada entre as 38 existentes no Paraná. Ela lamentou a morte de cerca de 300 quilombolas em todo o país e contou um pouco sobre a luta de seu povo para preservar a terra onde vive. Segundo ela, foi necessário recorrer ao Supremo Tribunal Federal para requerer a preservação de uma área de 1460 hectares de terra para sua sobrevivência, mas que isso ainda está longe do ideal já que toda a área da comunidade corresponde a 3600 hectares. O grupo conseguiu após muita luta a reivindicação um montante de R$37 milhões para pagar a terra, considerada uma das melhores da região Sul.

“Precisamos ir do município de Reserva do Iguaçu até o STF para reivindicar nossa terra, porque aqui no Paraná o agronegócio impera e enfrentamos lutas diárias contra o capitalismo que quer explorar nossas terras. O direito à preservação está no artigo 68 da Constituição Federal. Os Governos atuais não têm políticas voltadas para as comunidades e estamos perdendo o que conquistamos ao longo dos últimos 30 anos. Também precisamos recorrer à justiça pela vacina e sofremos com a falta de estrutura e o descaso do poder público”, afirma.

Já Kretã Kaingang, é um indígena kaigang representante Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSUL) e que vive na região de Guaíra. Ele lamentou a perda de mais de mil indígenas ao longo da pandemia, especialmente por conta da reduzida população indígena no Brasil (entre 900 mil e um milhão de pessoas) e denunciou as ofensivas contra as terras indígenas como o Projeto de Lei que flexibiliza o licenciamento ambiental e trará sérios riscos ao meio ambiente, um dos bens mais preciosos para as (os) indígenas.

“Nós vamos ser os mais afetados com a exploração de ferrovias, rodovias, mineração, pecuária e outras atividades. Com as investidas e instruções normativas da Funai, que está dominada por pessoas que querem prejudicar as (os) indígenas, o Estado passa a não ter mais o dever de demarcar terras e nos consultar o que nos deixa ainda mais vulneráveis. Além disso, a vacina tem sido negada aos indígenas que vivem em áreas urbanas por parte dos governos municipais, o que coloca nossa saúde em risco. Vamos ter que nos organizar e sair da comunidade, vamos tentar ir para o campo de batalha, na luta porque senão vamos morrer lá dentro mesmo”, lamenta.

Kretã relata ainda que o Governo Federal busca jogar os povos indígenas uns contra os outros por meio da cooptação e de fake News utilizadas para atrair alguns grupos. Ele explica ainda que há outra questão de essencial importância aguardando votação no STF que pode preservar constitucionalmente em todo o Brasil o direito de indígenas de ocuparem suas terras mesmo após 1988, quando surgiu a atual Constituição Federal. “Precisamos sair vitoriosos e garantir esse direito à nossa terra”, destaca.

Por fim, o evento contou com a participação de Robson Arantes Ogunsola (Oloye Robson de Ogum), representando as religiões de matriz africana e integrante do conselho de povos indígenas e tradicionais. Robson ressaltou a importância da preservação de costumes de ancestrais das comunidades de terreiro, como a preservação de suas religiões e da natureza. Ao todo são mais de 4 mil comunidades de terreiro no Paraná, sendo mais de 365 apenas em Londrina. Robson já atuou na política de Assistência Social no Centro de Formação do Cidadão em Londrina e contou como as instituições parceiras da proteção básica ao cidadão estão dominadas pelas instituições evangélicas e isso acarreta em dificuldades para que o espaço se transforme em uma instituição de ensino seguindo lei como a de nº 10639/2003 (Educação Antirracista) e a lei nº 11.645/2008 (Para o ensino da cultura africana, afro-brasileira e indígena).

“Essa sempre foi uma preocupação minha mas que acabava sendo deixada de lado. Infelizmente há essa invisibilidade e indiferença em relação a nossa cultura. A gente não vê o cumprimento dessas leis e há a incompreensão em relação à religião. E sabemos que a maior parte do público atendido pela Assistência Social é o povo negro. Tivemos vários avanços mas ainda há essa dificuldade muito forte”, relata.

Ele também ressaltou a dificuldade em relação à vacinação de povos tradicionais. Segundo ele, há essa dificuldade por conta da falta de interesse dos municípios em cumprirem a determinação prevista em decreto pelo Governo Estadual.