19 de abril: indígenas lutam pela vida e no combate à violação de direitos em meio à pandemia

Hoje, dia 19 de abril, é o Dia do Índio, data celebrada em todo o continente americano por conta da realização do Congresso Indigenista Interamericano por parte das lideranças indígenas, realizado no México em 19 de abril de 1940. Durante o evento foi criado o Instituto Indigenista Interamericano que visa zelar pelos direitos das (dos) indígenas nas Américas. No Brasil, a data foi oficialmente instituída por Getúlio Vargas em 1943.

Mais do que nunca, os indígenas brasileiros têm a data de hoje para a reinvindicação de direitos que vêm sendo constantemente violados nos últimos tempos. Além de uma política de estado neoliberal que vem trazendo graves prejuízos aos direitos conquistados pelos indígenas a duras penas e que vem estimulando a realização de práticas ilegais como o desmatamento, grilagem e mineração em terras demarcadas, também tem havido forte desmantelamento de órgãos de defesa desses direitos como a Funai. A demarcação de terras e a luta por direitos que as (os) indígenas têm previstos pela Constituição Federal de 1988 (capítulo VIII) seguem estão entre as mais importantes demandas das (dos) indígenas como forma de proteger as culturas e características desses grupos étnicos.

 Além disso, a pandemia também foi um duro golpe para essa população, que foi gravemente afetada pelo coronavírus. Os surtos em comunidades trouxeram a fome e a pobreza e já registraram mais de mil mortes em todo o país, mas há a subnotificação de casos e o descaso das autoridades com as ocorrências, incluindo em relação à vacinação. O STF determinou que o Governo realiza um plano de vacinação para indígenas, mas na prática a vacinação tem sido lenta e o vírus segue trazendo graves prejuízos. O STF também foi intimado a se manifestar a respeito de uma notícia-crime sobre o genocídio indígena no país.

O Brasil segue sendo o país com mais diversidade indígena do mundo com mais de 305 povos que falam 208 línguas e apenas no Paraná são 23 territórios com três diferentes etnias. Segundo dados do IBGE em 2010, são 896,9 mil indígenas no país. Hoje as (os) indígenas começam a estar presentes nas universidades e em espaços de luta e poder, como na Câmara dos Deputados, com a presença da primeira mulher indígena Joênia Batista de Carvalho, por Roraima, e com a Frente Parlamentar Mista dos Direitos dos Povos Indígenas, e diversas outras frente e movimentos nacionais e regionais que lutam pelos direitos indígenas constantemente. As (os) indígenas têm procurado se organizar e se unir para reivindicar seus direitos.

Jaciele Nyg Kuitá, do povo Kaingang da Terra indígena Apucaraninha/PR é graduanda do curso de Serviço Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e conta que a luta para manter o vírus longe das comunidades tem sido diária, com a utilização de barreiras sanitárias nas entradas das comunidades e também buscando evitar a saída de indígenas. Como parte da renda de sua comunidade vem de trabalhos sazonais ou da venda de artesanatos, ela afirma que foi preciso se organizar e articular com movimentos para buscar ajuda.

“Estamos tendo que nos mostrar e nos manter organizados mais do que nunca para frear e prevenir o máximo o contágio em nossos territórios, uma vez que estamos totalmente desassistidos pelos órgãos e instâncias competentes. Estamos sofrendo uma onda de ataques aos direitos indígenas, agravados pelo desmonte e desmantelamento das políticas indigenistas – principalmente a política de saúde indígena que tem sido uma das mais atacadas no contexto político atual e estamos desassistidos pelo poder público brasileiro”, explica ela.

Já Ana Caroline Neres, indígena da etnia Kaingang da reserva indígena de Mangueirinha e estudante de Serviço Social pela UFPR reside na aldeia urbana Kakané Porã em Curitiba e conta que também sofre com os descasos do poder público por não estarem em uma terra demarcada. Ela explica que as (os) moradores da aldeia estão seguindo o isolamento social mas que há dificuldades por conta do trabalho fora que muitos exercem em empresas da região. “Estamos nos organizando enquanto corpo social, mantendo os portões fechados e não permitindo adentrar quem não for morador, nos articulando com alguns coletivos que conseguem arrecadações de alimentos e de materiais como álcool em gel, máscaras e produtos de higiene pessoal. Estamos conseguindo vários mantimentos, mas tudo com a articulação da própria comunidade, nada está chegando de órgãos/setores responsáveis por tal função, que nesse momento deveriam estar de alguma forma nos amparando socialmente”, afirma.

Jaciara Augusto Martim, da etnia Guarani, é assistente social da Unidade Básica de Saúde da Aldeia Jaraguá, às margens da Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, onde vivem 174 famílias indígenas. Ao todo são seis aldeias indígenas, mas apenas uma está demarcada, com as demais ainda em processo de demarcação. Jaciara relata que há precariedade em relação à moradia, ao saneamento básico, às condições de saúde e até mesmo de documentos, o que ocasionou, em conjunto com o fechamento de serviços com a perda de direitos como o auxílio emergencial. “Muitas famílias que me procuram, principalmente referente ao bolsa família, ao auxílio emergencial, a gente entra em contato com o pessoal do CRAS de Pirituba, o mais próximo daqui, e aí eles tentam dar a resposta. Só que neste momento as respostas têm sido demoradas e até algumas questões que nós levantamos, a gente não teve o retorno ainda. Também não tem mais havido ações de atualização do CADUnico por parte do CRAS”, destaca.

Nas mais diversas áreas, o Serviço Social tem um importante papel no sentido de contribuir para que as (os) indígenas possam reivindicar e buscar seus direitos.

“O Serviço Social é uma das principais portas na garantia de acesso a direitos básicos relacionados à saúde, educação, assistência social e de garantia à vida. As (os) assistentes sociais podem estar em contato direto e conhecer as realidades das comunidades e mostrar os caminhos e alternativas para que as (os) indígenas possam acessar esses direitos. É imprescindível que a gente se fortaleça e se uma para se reafirmar nossa identidade”, expõe a assistente social Gilza Ferreira de Souza, pertencente à etnia Kaingang, da terra indígena São Jerônimo.

Já o assistente social Sergio Mateus Goitoto, também da etnia Kaingang, trabalhou na Prefeitura de Mangueirinha e explica alguns dos desafios para as (os) profissionais da área. “As (os) assistentes sociais podem participar da criação de políticas públicas e sociais nos locais onde os indígenas estão inseridos. Essa é uma categoria que precisa ser lembrada e reconhecida pelo importante trabalho que realiza com os indígenas”, explica ele.

O assistente social e professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Wagner Roberto Amaral atua desde 1997 em projetos de alfabetização de jovens e adultos kaigang e guarani em escolas indígenas e já participou da implantação da lei estadual 13134/2001 para a criação de vagas suplementares para indígenas em universidades estaduais do Paraná. Ele explica que é papel do Serviço Social pensar em políticas voltadas para a população indígena.

“Um dos desafios é pautar a temática indígena na formação de assistentes sociais, porque é uma população que muitas (os) assistentes vão encontrar em suas realidades. É importante que as (os) profissionais compreendam as diferentes realidades e dinâmicas dos grupos étnicos e pensem em políticas públicas adequadas às necessidades das (dos) indígenas, além de fortalecer as condições dos serviços públicos voltados para essa população”, reitera.

Confira os relatos completos de Jaciele, Ana Carolina e Jaciara você confere no CRESS Em Movimento “Direito ao território, à moradia, à acolhida e ao pertencimento sob a perspectiva do direito à cidade“.