Posicionamento do CRESS-PR sobre o atual momento político do Brasil

atual momento

Diante do cenário complexo e delicado que estamos vivendo trazemos uma reflexão. Atentos a este momento, que exige de nós serenidade, e pautados pela defesa intransigente dos direitos humanos, contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo, bem como da ampliação e consolidação da cidadania e radicalização da democracia, publicamos abaixo análise do CRESS-PR sobre este cenário.

A publicação deste texto foi escolhida para esta quinta-feira, 31 de março, data que remete ao golpe de 1964, que naquela época continha alguns elementos muito parecidos com os que nos deparamos na atual conjuntura, e que será marcada hoje por manifestações em todo o país, incluindo o Paraná, convocadas por movimentos sociais em defesa da democracia e pela garantia de direitos.

“Não vai ter golpe”: De qual golpe estamos falando?

Os acontecimentos recentes e a velocidade com que estão ocorrendo têm deixado muitos e muitas de nós aflitos e sem uma resposta coletiva às investidas daqueles que hoje detêm o poder. A situação é tão complexa e os acontecimentos alternam o cenário tão rapidamente que em alguns momentos fica difícil nominar exatamente de que golpe estamos falando.

A mídia brasileira, oligopolizada, tem traduzido os acontecimentos de forma a conduzir nossa análise para a dicotomia entre ser a favor ou contra o governo. E tem levado diversas pessoas a fazer uma análise fragmentada e quase imediata da crise atual, promovendo conclusões que minimizam nossos problemas.

Evidentemente não é possível admitir qualquer desvio de recursos públicos, nem sequer a utilização dos mesmos para benefícios privados. Entretanto, a gestão do CRESS Paraná entende que é preciso olhar de forma mais aprofundada para o cenário brasileiro e mundial para compreender que o Impeachment e a Operação Lava Jato não irão resolver os problemas da crise econômica e política e nem tão pouco salvar os fundos públicos do uso indevido no próximo período.

Para entender a situação, acreditamos que é necessário tentar retomar os elementos históricos do último período, para chegarmos ao central: o cenário de crise econômica e política, os ataques aos direitos sociais e a legitimação ideológica de um estado policial-penal.

Durante mais de uma década o PT vinha governando o país atendendo a interesses tanto do capital como da classe trabalhadora. De um lado uma política macroeconômica que beneficiava os interesses do grande capital, especialmente o financeiro. E de outro o aumento do salário mínimo e o incremento de um rol de programas sociais focalizados para a população mais empobrecida e vulnerável, que inclusive foram desenhados para contribuir com o próprio crescimento econômico e aquecimento do mercado.

Outro elemento do período foi a permeabilidade do Estado por setores oprimidos e movimentos organizados, que contraditoriamente possibilitaram tanto a disputavam dos recursos públicos e reconhecimento daqueles sujeitos políticos, como a cooptação e pacificação social. Embora é inteiramente importante ressaltar que o espaço concedido a estes sujeitos foram demarcados de forma extremamente desigual frente aos interesses da indústria agropecuária, extrativista, do capital financeiro, do poder das organizações religiosas e de comunicação.

Essa convivência entre interesses divergentes foi possível durante o período de crescimento econômico (crescimento aqui não tem o mesmo significado que desenvolvimento). Em 2013, os primeiros sinais da incapacidade de conter as manifestações populares aconteceu com a multidão que ocupou as ruas nas jornadas de junho. Momento em que a Lei Antiterrorismo começou a ser esboçada.

Em 2015, a crise econômica e social se tornou explicita no Brasil. Além da austeridade fiscal, houve congelamento e diminuição dos recursos destinados ao Programa Bolsa Família e do Programa Minha Casa Minha Vida. Restrição do acesso ao seguro desemprego. No Congresso Nacional assistimos a batalha pela criminalização da juventude com a iniciativa de reduzir a idade de imputabilidade penal e a aprovação da lei das terceirizações. Além disso, uma iniciativa organizada destes setores fez com que o debate de gênero fosse retirado orquestradamente dos Planos Estaduais e Municipais de Educação.

Enquanto isso, em estados liderados pelo PSDB, como o Paraná, o período foi marcado pelo sequestro do fundo previdenciário dos servidores, com a utilização da força policial militar que configurou o massacre do dia 29 de abril. Também assistimos o golpe contra a autonomia da Defensoria Pública, a tentativa de fechamento de turmas nas escolas públicas e o sequestro de fundos da infância e juventude e do fundo penitenciário.

Todos estes acontecimentos datados ainda em 2015 revelavam a linha política adotada para manter as taxas de lucro do capital frente a crise econômica: diminuir os gastos públicos com os direitos socialmente conquistados, assegurar os meios de garantir a super-exploração do trabalho, sequestrar os fundos públicos e tornar ideologicamente legitima a repressão policial aos grupos vulneráveis e movimentos sociais.

Esta parece ser a chave para discutirmos o golpe que está sendo realizado neste momento: o golpe contra a classe trabalhadora e a existência política das minorias. Neste momento, não há exatamente um golpe contra a democracia burguesa no sentido da instalação de um regime ditatorial. Desde o final do ano de 2015 a oposição de direita ao governo e a imprensa têm utilizado amplamente o discurso e o elogio à democracia como base de sustentação da sua atuação. O que está em jogo é a instalação um regime policial e criminal conquistado como ideologia hegemônica, que torne o Estado impermeável a participação direta e o controle social sobre a voracidade do capital.

Paremos para pensar: que significa tornar como heróis nacionais a polícia e um juiz criminal? O que significa jogar em cenas midiáticas acusações que se tornam verdades previamente julgadas? Para nós, significa tornar legitimo o uso da força para resolução dos conflitos sociais e políticos. Significa afirmar que a presunção da culpa será utilizada de forma socialmente aceita em lugar da presunção da inocência. E que a justiça seletiva já aplicada a juventude, a população empobrecida e as grupos vulneráveis será replicada até mesmo nos espaços máximos de poder.

A atual situação de crise política em que se encontra o PT é consequência daquilo que a história sempre mostrou: não há conciliação de classes. Mas sua destruição tem sido utilizada como um valor simbólico de graves proporções. A forma como tem sido operada intensifica o ódio contra os setores mais espoliados e põem em descrédito a organização em torno da luta pelos direitos. De modo que aproveitamos aqui para denunciar a morte de três pessoas em situação de rua em Curitiba somente neste mês.

Neste contexto, cabe às/aos profissionais do Serviço Social, historicamente engajadas/os nas lutas sociais e na defesa dos direitos conquistados, resistirem a qualquer ameaça contra a democracia e contra os direitos humanos, conforme historicamente temos feito.

Reforçamos o posicionamento do CFESS, publicado no dia 15 de março, afirmando que “o caminho essencial para a força e unidade dos/as lutadores/as é, sem dúvida, a busca por superarmos ilusões e mitos e avançarmos na articulação política coletiva da classe.  Sigamos juntos/as com quem se mantém na luta,  sintonizando discursos e práticas cotidianas em defesa dos/as trabalhadores/as e o projeto de emancipação humana”.