Nota sobre ‘Depoimento Especial’ de crianças e adolescentes

NOTA A RESPEITO DO CURSO ‘DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA’

O Conselho Regional de Serviço Social do Paraná (CRESS), o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-08), a Associação dos Analistas Judiciários (ANJUD) e o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Paraná (SINDIJUS) vem por meio desta nota manifestar sua preocupação com a forma como o tema “Depoimento Especial” vem sendo abordado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), especialmente, com a realização do “Curso Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência”, que ocorrerá de 29 a 30 de agosto para os magistrados e de 31 de agosto a 02 de setembro de 2016 para os servidores das equipes multiprofissionais do TJPR.

Como se sabe, a iniciativa do “Depoimento Especial” surgiu no Brasil a partir de uma experiência realizada no Rio Grande do Sul, sob a coordenação do Juiz José Antônio Daltoé. Entretanto, a implementação desta prática gerou diversas polêmicas em todo o país e um amplo debate no interior das categorias profissionais que são chamadas a operar a referida metodologia, quais sejam: o Serviço Social e a Psicologia.

Importante destacar, que a formação acadêmica assegura a cada profissão o domínio sobre determinada matéria. Sendo que a inquirição de testemunhas não é considerada prática constitutiva destas profissões. A inserção destas profissões no judiciário se constitui por uma formação profissional que assegura como atribuição e competência a realização de estudos e pareceres sobre questões em sua área.

Além disso, é necessário considerar, que para o atendimento das demandas que lhes são apresentadas, cada profissão conta com o conteúdo próprio de cada área, além de um arcabouço de técnicas e metodologias que são eleitas a partir do conhecimento previamente adquirido para assegurar a qualidade do serviço prestado. Assim, do mesmo modo que cabe ao médico indicar quais exames são necessários para realizar um diagnóstico, cabem as demais profissões a indicação de técnicas e métodos que sejam capazes de tornar possível a realização de seu trabalho, tendo em vista suas responsabilidades na realização de cada procedimento.

Entretanto, ao observar a proposta do “Curso Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência”, não se percebe que qualquer uma das preocupações levantadas durante anos de debate no interior do Serviço Social e da Psicologia, acerca de tema tão controverso, esteja previsto na programação.

E ainda, além de não abrir democraticamente o debate entre operadores do direito e as profissões que são chamadas a operar tal metodologia, o referido curso pretende capacitar os operadores do direito de todo o estado e implantar na sequência as salas de depoimento especial.

É preciso dizer que ambas as profissões: o Serviço Social e a Psicologia possuem preocupação com a revitimização de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. E que, portanto, não se trata de negar a necessidade de qualquer debate em relação a este tema.

Ao contrário, os assistentes sociais e o os psicólogos estão inseridos em diversos espaços de trabalho em que se deparam com situações de violência sexual contra crianças e adolescentes, como os CRAS, os CREAS, as instituições de acolhimento, os consultórios, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), nas delegacias, nas equipes multiprofissionais das Varas de Infância e Juventude, nas Varas de Família, etc. E que, a preocupação com a revitimização destas crianças e adolescentes é um elemento presente nos debates profissionais. Importante salientar ainda, que estas profissões compreendem que o debate sobre a revitimização de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência deve perpassar toda a configuração da rede de proteção e não somente o debate referente à sua situação quando chega ao poder judiciário.

No ano de 2015, por exemplo, os referidos Conselhos Profissionais no estado do Paraná, participaram de alguns debates com a Vara de Infrações Penais Contra Crianças, Adolescentes e Idosos, o Núcleo de Proteção a Crianças e ao Adolescente Vítimas de Crimes (NUCRIA), o Ministério Público e a Defensoria Pública, no sentido de apresentar as contribuições que cada área e ciência profissional poderia oferecer no atendimento a esta demanda.

Os debates apontavam para a necessidade primeira de se reconhecer que a criança não pode ser entendida como o primeiro e principal meio de prova nos processos que visam a responsabilização do agressor. O trato com tal questão no cotidiano profissional tem contribuído para a construção de saberes e conhecimentos na área. A apuração do crime pode desencadear não apenas o medo ou o desconforto em narrar a situação ocorrida, mas também uma série de relações familiares e comunitárias relacionadas a tentativas de silenciamento da criança e do adolescente, que tendem por sua vez a gerar novas violações de direito. Além de produzir interferências no próprio depoimento.

Deste modo, os debates foram travados no sentido de afirmar a necessidade de considerar que nenhuma metodologia é tão perfeita que nela caiba a solução para situações tão diversas e complexas como as que envolvem crianças e adolescentes vítimas ou testemunha de violências. E de se considerar que o primeiro pressuposto de qualquer método que envolva tal tema, seria a avaliação das condições que uma criança e adolescente possua para ser submetida ao procedimento de ser oitiva em juízo. É importante ressaltar ainda, que já existem experiências em comarcas do estado do Paraná em que as equipes juntamente com os magistrados, têm atuado com diversas técnicas e metodologias, avaliando aquela que seja mais adequada a cada caso.

Naquele momento foram apresentados diversos exemplos das contribuições que ciência psicológica poderia oferecer no desenvolvimento não dá inquirição, mas da realização de perícias judiciais para os processos que envolvem violência contra crianças e/ou adolescentes. Ao que foram apresentados contra-argumentos dos operadores do direito do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, tendo em vista a preocupação em se assegurar o direito ao contraditório. Este debate apresentou repercussões importantes, tendo sido reconhecido no próprio Termo de Cooperação Interinstitucional sobre a Implantação da Depoimento Especial no Paraná, a possibilidade de realização das perícias com fins judiciais. E também a elaboração e publicação da nota técnica 002/2016 do CRP que versa sobre o tema. Entretanto, tal debate não foi contemplado no “Curso Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência”.

Deste modo, compreendemos que a ausência de uma proposta democrática para abordar tema tão polêmico e delicado, causa prejuízo à compreensão de que o trabalho com crianças não envolve apenas a forma adequada de fazer a pergunta. Para que o trabalho com crianças e/ou adolescentes seja realizado sem causar revitimização é necessário considerar se a pergunta é adequada, se deve e pode ser realizada sem prejudicar as partes envolvidas, é necessário que o trabalho seja pensado e consolidado de forma interdisciplinar, construído a partir da escuta e do diálogo entre os saberes, entre aquilo que cada profissão tem e pode contribuir.

Informamos também, que recebemos queixas de profissionais de todo o estado do Paraná, quanto a cobrança inadequada referente ao curso ofertado. Um curso que diz respeito àquilo que será implementado como política do Tribunal de Justiça do Paraná e que interfere diretamente no trabalho das equipes multidisciplinares. Além disso, fomos informados que os profissionais do interior não teriam suas despesas de viagens totalmente custeadas pelo Tribunal de Justiça do Paraná, o que causou revolta e indignação.

Ressaltamos ainda a preocupação das categorias profissionais com a qualidade do trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais e psicólogos do primeiro grau de jurisdição e a necessidade de valorização das equipes mutidiscilplinares.

Estas categorias profissionais tem lutado reiteradamente pela abertura de concursos públicos. Em muitas comarcas os juízes têm requisitado as equipes do Poder Executivo para subsidiar decisões judiciais por ausência de equipes próprias. Nas comarcas que existem equipes nas Varas de Infância e Juventude os profissionais já se encontram sobrecarregados com a demanda e possuem dificuldade de assegurar que os processos sigam com a celeridade necessária.

Neste sentido a incorporação das demandas das Varas Criminais deveria ser precedida da estruturação adequada das equipes multidisciplinares. A incorporação de demandas sem a garantia de estrutura adequada, por mais bem intencionada que seja a iniciativa, tende a precarizar os processos de trabalho. E no âmbito judicial, é sabido que cada decisão define por fim, o rumo da vida de milhares de pessoas, e, portanto, envolve enorme responsabilidade.

Por fim, as categorias profissionais dos assistentes sociais e psicólogos, bem como as entidades que as representam, se colocam a disposição para o diálogo interdisciplinar para que os processos de trabalho sejam construídos com o fim maior de atender o melhor interesse das crianças e adolescente.

Assinam a nota:
CRESSPR, CRPPR, ANJUD e SINDIJUS