II Encontro Regional do Vale do Ivaí debateu o avanço das contrarreformas e a destruição dos direitos sociais

Os ataques aos direitos sociais promovidos pelo atual governo estão impactando tanto as condições de vida da classe trabalhadora quanto as condições de trabalho das/dos assistentes sociais. Diante desta realidade, os Nucress de Apucarana e de Ivaiporã e o curso de Serviço Social da Unespar – Campus Apucarana realizaram no último dia 9 de dezembro, o II Encontro Regional de Assistentes Sociais do Vale do Ivaí – O neoconservadorismo, as contrarreformas neoliberais e as consequências para os serviços públicos.

Uma das organizadoras do evento e referência do Nucress de Apucarana, a assistente social, Kelly Pesce, explica que o espaço permitiu debater junto à categoria alguns pontos essenciais sobre o avanço das contrarreformas e a destruição dos direitos sociais, que irão subsidiar a atuação cotidiana das/dos profissionais. Pontos como: o processo de destruição dos serviços públicos, a crise do capital e a busca pelas altas taxas de lucro como determinantes da liquidação dos direitos sociais. Além da disseminação de informações e conhecimento, um dos objetivos principais cumpridos foi a escuta de assistentes sociais sobre seu cotidiano diante da atual conjuntura. 

“O webinário conseguiu unir as/os profissionais dos territórios dos dois Nucress para discutir um tema contemporâneo que está estritamente ligado ao cotidiano do fazer profissional. Enquanto colegiado nossa avaliação é positiva. O número de profissionais que puderam acompanhar a discussão e trazer também seus anseios e preocupações enriqueceu o debate. Deste modo, o evento foi um momento ímpar, de aproximação da categoria profissional e de uma construção coletiva que instigou as/os profissionais a refletirem sobre os retrocessos vivenciados e sobre a necessidade de criar estratégias para enfrentá-los”, afirma Kelly Pesce.

A palestra foi ministrada pela professora doutora Eblin Farage, da Escola de Serviço Social da UFF. Na sequência, debateram também, as profissionais que atuam na base, Regina Amélia Carvalho Rodrigues e Cristiane Valoto Mazzo. Regina é servidora pública na Secretaria Municipal de Assistência Social de Apucarana e atua como assistente social num programa de alta complexidade. Cristiane é assistente social da Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho – Escritório Regional de Ivaiporã.

Não pode participar ou quer relembrar o conteúdo das falas do debate? Trazemos aqui para você alguns trechos.

A retirada de direitos e a subalternização da classe trabalhadora – Eblin Farage

“Alguns pontos nos ajudam a compreender a atual fase da crise estrutural do capital e seus rebatimentos para os direitos sociais, como: 1- O recrudescimento do conservadorismo, em especial a partir da ascensão da extrema direita no Brasil, com a eleição de Bolsonaro; 2- A reestruturação do Estado na busca de atender a demanda do capital em crise, que entre outras coisas gera: a) a necessidade de apropriação privada do fundo público, b) articulação de diferentes formas de exploração da classe trabalhadora, c) retirada de direitos através da redução de investimentos públicos em políticas sociais.

Nesse processo, a pauta econômica do capital se articula com a pauta cultural da extrema direita a partir de uma perspectiva fundamentalista, miliciana e militarizada, que acaba por impor um retrocesso de mais de 30 anos no âmbito dos direitos sociais e na organização da sociedade.

Busca-se, com essa verdadeira cruzada contra o pensamento crítico, a ampliação da subalternização da classe trabalhadora, o que se dá, entre outras formas, pela retirada de direitos e o retorno de uma perspectiva assistencialista baseada no favor e no apadrinhamento, que está expresso, por exemplo, no projeto de contrarreforma administrativa do governo federal.”

Retrocessos na Política de Assistência Social promovido pelo desmonte de políticas públicas – Cristiane Valoto Mazzo

“Existe um projeto de desmonte das políticas públicas no país, que não pode ser visto de forma natural. As reformas administrativa e a trabalhista vêm, a passos largos, desestruturando os serviços públicos através do enxugamento da máquina que pode ser evidenciado em diversos aspectos através de ações que vão descaracterizando os serviços públicos, causando a falsa impressão de que não funcionam e que não são necessários.

Na Política de Assistência Social percebemos vários retrocessos, como:

1) O Comando Único da política atrelado a outras áreas, tanto em nível federal quanto estadual, e vinculação de projetos e programas que não são atribuições da PNAS;

2) Ameaça às funções primordiais desta política pública – Proteção, Vigilância Socioassistencial e Defesa Social e Institucional com defesa dos direitos socioassistenciais –   que reflete diretamente na vida da população atendida:

a) Proteção: Redução de cofinanciamento no Estado e na União para a manutenção dos serviços (Custeio, capital e RH) e, mesmo com essa redução os repasses não foram continuados. Uma das grandes questões é como garantir proteção sem estrutura mínima para funcionamento dos serviços, principalmente nos municípios de PP e nos de PPI (até 20.000 habitantes), que representam 73% dos municípios brasileiros (PNAS, 2004). No Paraná, dos 399 municípios, a maioria é de PPI (312 municípios) e destes, 98 municípios têm até 5.000 habitantes (IBGE, 2018). Estes municípios têm pouca arrecadação e dependem dos cofinanciamentos federal e estadual para manter os serviços da rede socioassistencial abertos. Ao contrário do que prevê a legislação de repasse fundo a fundo, existe um Guia de Emendas Parlamentares para 2021 e aumento das campanhas de cunho assistencialista e com foco no voluntariado. Outra questão diz respeito aos profissionais do SUAS, que são os principais instrumentos de trabalho desta política. O que vemos, além das dificuldades na estrutura e no cofinanciamento, é a fragilização dos vínculos trabalhistas, ocasionando a quebra de vínculos com os usuários e a perda de referência dos serviços; a redução considerável da realização de concursos; baixos salários; desprofissionalização na indicação de cargos políticos;  ausência de oferta de formação e capacitação permanente aos profissionais do SUAS, principalmente num momento de aumento da demanda;

b) Vigilância Socioassistencial: os instrumentos de gestão e de planejamento estão sendo apresentados sem considerar os preceitos da NOB 2012 e, em alguns casos, uma ausência de Planos de Assistência Social, os sistemas estão instáveis, e parte das informações que antes eram sistematizadas pela SAGI em nível federal, não estão mais disponíveis. Sem dados, indicadores e sem diagnóstico é difícil mensurar no território as situações de riscos sociais e a violação de direitos e consequentemente realizar a vigilância socioassistencial;

c) Defesa Social e Institucional com defesa dos direitos socioassistenciais: a desestruturação dos serviços, fragilidade das equipes, comprometem a garantia de que seus usuários tenham o acesso ao conhecimento dos direitos socioassistenciais e sua defesa.

Além disso, a perda de direitos nas outras políticas como Saúde, Educação e Previdência Social (aprovação de leis no período da pandemia) recaem como demandas crescentes na rede de serviço do SUAS.

3) Enfraquecimento das instâncias deliberativas e de participação como: Conselhos (Nacional, Estadual e as Comissões Intergestores – CIT e CIB; perda do mandato dos conselheiros não governamentais; não realização de reuniões por conta da pandemia. Conselhos estão se tornando espaços apenas consultivos e não propositivos.”

Falta de investimento em formação continuada como estratégia de enfraquecimento das categorias e dos serviços públicos – Regina Amélia Carvalho Rodrigues.

“Os ataques aos direitos sociais interferem e comprometem, além da execução da Política Pública, o acesso aos serviços pelo usuário e a forma como ele participa do processo. Com o advento da Constituição Federal de 88 pudemos viver o período pré-constitucional, processo de proposição, aprovação e o pós- constituição, com a formalização das leis que passariam a nortear as políticas públicas.

A organização dos serviços se pautava a estabelecer uma relação de horizontalidade nos âmbitos de atuação. E ao usuário foi possibilitada a participação plena de todo processo, desde a gestão até a aplicação dos recursos, através da estruturação das instâncias de controle social. Porém, não houve a consolidação de fato deste espaço de participação plena. De igual forma, mesmo com a aprovação do SUAS, todas as questões inerentes a esta consolidação não foram de fato efetivadas.

Dentro do tema proposto, percebe-se que a falta de investimento no processo de formação continuada e capacitação para os trabalhadores das políticas públicas, acaba sendo uma estratégia de enfraquecimento e fragmentação das categorias e, consequentemente, dos serviços ofertados. O desmonte da Política Pública de Assistência Social com a suspensão de investimentos demonstram esta questão.

Neste processo, percebe-se o descredenciamento das\dos profissionais na execução das ações inerentes às políticas públicas e serviços onde estão inseridos. Há necessidade de organizar, fortalecer, reordenar as questões profissionais, tanto como categoria quanto como trabalhadores/as e servidores/as públicas/os.”