Carta à sociedade civil em defesa da população em situação de rua

Há duas semanas a Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar) se manifestou publicamente solicitando a remoção, “por bem ou por força”, de pessoas em situação de rua dos espaços públicos de Curitiba. A Associação Comercial do Paraná (ACP) também se posicionou, afirmando que comerciantes reclamam de prejuízos e pedindo providências.

Em resposta e repúdio a tais manifestações, movimentos e organizações sociais lançaram carta à sociedade curitibana. Escrita por iniciativa do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) de Curitiba, a carta apresenta os motivos que levam à situação de rua e as falhas nas políticas públicas voltadas a essa população.

O CRESS-PR manifesta seu apoio e solidariedade às pessoas em situação de rua e ao MNPR, em sua luta pela garantia dos direitos desta população que é marginalizada e excluída.

O documento está aberto a adesões de pessoas e organizações até o dia 5 de fevereiro, pelo e-mail [email protected].

Acesse a carta em pdf ou leia abaixo:

Carta à Sociedade Civil

Os últimos acontecimentos recém tornados “públicos” pela mídia convencional curitibana, com objetivo claro de levantar o tema da população em situação de rua em ano eleitoral, colocam-nos na obrigação de esclarecer quem é o povo de rua, quais são os motivos reais de sua condição e, definitivamente, demonstrar que a via do higienismo e da violência não servem para se resolver tal situação.

A população de rua

Resultado da maneira DESIGUAL e EXCLUDENTE pela qual nossa sociedade se organiza, a população em situação de rua em sua história cotidiana passa por negações das mais diferentes áreas da vida, sendo sua única opção a ida às ruas, produzindo suas vidas e relações sociais em logradouros públicos da cidade.

O fenômeno da existência da população em situação de rua que é mundial, agravado nas metrópoles, é fruto de um conjunto de fatores, complexos para um parecer primário, que englobam situações diversas de cada sujeito. Dentre esses fatores, que não se esgotam unicamente com a execução da política da Assistência Social e da Saúde, destaque-se a negação ao direito constitucional à habitação, essencial para a busca de sua emancipação.

Existem ‘fatores estruturais’ (ausência de moradia, não acessibilidade à política de trabalho e renda, mudanças econômicas e institucionais de forte impacto social, etc.); ‘fatores biográficos’, ligados à história de vida de cada indivíduo (rupturas dos vínculos familiares, doenças mentais, consumo frequente de álcool e outras drogas, infortúnios pessoais); e, ainda, em fatos da natureza ou “desastres de massas”.

A população em situação de rua é formada por homens, mulheres, crianças, jovens, indígenas, população LGBT e população negra. Essa população existe nas ruas e praças da cidade, e não é de agora. Há tempos ela existe e, principalmente, RESISTE!

O Decreto 7053/ 2009 que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, a prevê como intersetorial, ou seja, que procura envolver todos os setores das políticas públicas (Municipal, Estadual e Federal), em seu artigo 7° demonstra quais são seus objetivos:

“Assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda”;

A respeito deste parágrafo, o povo de rua somente tem acesso, PARCIAL, a políticas como da Assistência Social e Saúde. Também não podemos deixar de afirmar que a política de segurança para o povo de rua é sim amplamente efetivada, quase sempre com VIOLÊNCIA, ASSÉDIO e retirada de seus pertences nos momentos em que se consegue algum lugar para dormir.

As audiências públicas realizadas com o Ministério Público são provas da quantidade absurda de violações de direitos provocadas por diversos servidores ou diferentes agentes da segurança pública ou privada.

Não é de espanto receber notícias provenientes dos setores patronais do comércio da cidade, pois realmente a gestão pública, a respeito da Política Nacional para a População em Situação de Rua não vem sendo efetivada de maneira integral e intersetorial. Observamos, no entanto, que o caminho para resolver tais problemas não é, e nunca foi, o caminho do higienismo e da violência.

Pontuamos, aqui, que a sociedade civil em geral, tem a responsabilidade de também contribuir para a concretização destas políticas para a população em situação de rua.
É necessário o diálogo entre os diversos setores da sociedade para se alcançar uma “solução” para esta questão. Apontar o problema apenas não é o caminho, mas sim apontar propostas humanizadoras, concretas, sustentáveis, com protagonismo do povo da rua, que direcionem para o caminho.

Convidamos pessoas, entidades, movimentos sociais, organizações públicas ou da sociedade civil a assinarem essa carta. A VIDA PREVALECE, APESAR DO QUE ACONTECE!

Curitiba, 28 de Janeiro de 2016

Movimento Nacional da População de Rua

Assinam a carta:

– Movimento Nacional da População em Situação de Rua
– Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo
– Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Paraná
– Maria Meira Economia Solidária
– Adenival Alves Gomes
– Luis Alves Pequeno
– Renato Munhoz
– Margarida Barreto
– Cláudia Andrieux