Assistentes sociais da saúde relatam esgotamento e dificuldades em relação à saúde mental durante a pandemia

O contexto da pandemia do coronavírus tem trazido enormes dificuldades e sofrimentos para todas (os) as (os) brasileiras (os). Mas especialmente para as (os) profissionais que estão trabalhando na linha de frente, na área da saúde, em hospitais, unidades de saúde, unidades de pronto-atendimento entre outros locais, as dificuldades têm sido ainda maiores. Afinal, várias (os) delas (es) têm enfrentado longos e cansativos turnos de trabalho, com excesso de pacientes, UTIs lotadas e a convivência com mortes e o sofrimento de familiares. Isso sem falar nos riscos de contrair o coronavírus e do adoecimento e até mesmo da morte de diversas (os) profissionais. A realidade tem sido muito dura e isso tem afetado não apenas a saúde física dessas pessoas como também a saúde mental, com crises de ansiedade, depressão e esgotamento.

Conversamos com algumas (alguns) assistentes sociais da saúde que contaram sobre as suas rotinas e os danos à saúde mental das (dos) profissionais que atuam na área:

Viviane de Souza Freitas

Eu trabalho na Associação Hospitalar Beneficente Moacir Micheletto, hospital filantrópico em Assis Chateaubriand, que tem se tornado referência em atendimento a pacientes COVID. Hoje conta com 28 leitos de UTI e 20 leitos de enfermaria. O Serviço Social nasceu nesta instituição em meio a pandemia, junho de 2020.

Tenho uma carga horária de 36 horas semanais, mas geralmente faço mais de 50 horas semanais. Em conjunto com um psicólogo, faço a mediação entre a família, a (o) internada (o) e as (os) médicas (os) das UTIs e enfermarias covid. Também buscamos amenizar o sofrimento da família através do Projeto Visita On Line, com a realização de visitas por chamadas de vídeo entre a (o) paciente e familiares.

Como sempre busco conversar com os familiares, muitas vezes não consigo fazer tudo o que eu gostaria. Me sinto sugada e muitas vezes sinto que deixei todas as minhas energias no trabalho. Mas tento recompor minhas emoções e lidar com medos e angústias. A maior dificuldade é conciliar as demais atividades de fora do ambiente de trabalho além do enfrentamento da covid. Também sou mulher, mãe, esposa e filha. É difícil auxiliar nas aulas online e é doloroso ter que abrir mão dos finais de semana com a família, pois entendo que a instituição precisa de mim no momento.

Vejo diariamente profissionais exaustos com férias atrasadas e sem expectativas de tirar nesse momento. Vi profissionais pedindo demissão por esgotamento físico e mental. Vi profissionais sentados nos corredores chorando por ver pessoas conhecidas falecerem. Vi médicos não conseguindo sair de sua sala para noticiar óbito e tive que pedir ajuda de outro profissional. Lidar com os óbitos tem sido uma carga psicológica a mais, principalmente quando se trata de pessoas mais jovens e/ou que a equipe multiprofissional acompanha há um período mais longo. Criamos um vínculo com as famílias, já que somos a ponte entre o familiar e a pessoa internada. Na hora de comunicar um óbito muitas vezes é inevitável não se emocionar, por se tratar de uma doença que agride de forma rápida e inesperada.

Marcelo Nascimento de Oliveira

Trabalho no Hospital Regional do Centro Oeste, em Guarapuava (Projeto Covid19/HEG) desde junho do ano passado. A rotina não tem sido nada fácil, pois somos em dois profissionais, sendo um em cada plantão de segunda a sexta.

O grande desafio da nossa atuação profissional, compondo a equipe multiprofissional é primeiramente deixar nítido qual é o nosso objeto de intervenção profissional. E incluo aqui o dar conta de tantas demandas que as (os) pacientes e suas famílias nos trazem. Para nós, é importante saber desde o internamento onde a (o) paciente vive, com quem, como, qual sua rede de apoio e suporte familiar. A partir daí, pensamos em estratégias que contribuam com a equipe multiprofissional, para pensar o plano de tratamento e plano de alta, com o encaminhamento para que a (o) paciente possa continuar com a sua vida após a alta.

Vejo o cenário como assustador e cada vez mais grave. Vamos percebendo que as pessoas estão adoecendo, mas, há uma romantização do trabalho por amor ou carinho com necessidade de cobrir escalas e com plantões de 24 horas, e assim muitas (os) pessoas acabam não se cuidando. Quando menos espera acaba adoecendo, se contamina e precisa se afastar e retorna com a mesma pressão. Outro desgaste é o acompanhamento de tantas mortes que trazem sofrimentos, como a ansiedade, crise de pânico e o medo de morrer. Também tornam as pessoas mais frias. Cada óbito vai se tornando apenas mais um número.

As demandas do dia a dia, sem pensar a pandemia, já eram infinitas. Com a pandemia a gente percebe que se acirraram ainda mais. A gente acolhe as pessoas em sua dor e sofrimento e vê gente morrendo diariamente. Isso exige que a gente seja forte e firme, mas antes de tudo, somos humanos que lidamos com outros seres humanos. Mas, quando vejo que as pessoas confiam em nós suas vidas, quando vejo a dedicação de companheiros e companheiras de trabalho, isso me motiva a seguir em frente, acolher, humanizar o processo de trabalho e superar os desafios.

Emanoele Cristina da Costa

Sou diretora da Secretaria de Políticas de Saúde Pública do SindSaúde e estou lotada na Secretaria de Estado da Saúde. Adotamos o trabalho remoto desde o início da pandemia em nossa sede em Curitiba e estamos organizando uma agenda de visita aos locais de trabalho para cumprir assim que ocorrer o fim do decreto municipal. Além dos atendimentos das demandas, realizamos lives, assembleias e reuniões virtuais

Lidamos cotidianamente com casos de esgotamento tanto mental quanto físico. Muitas pessoas nos relatam que a perícia nem sempre respeita o laudo do médico assistente em relação ao tempo de afastamento para tratamento de saúde seja relacionado ao trabalho ou não. Há descaso e assédio moral por parte das chefias com os trabalhadores e trabalhadoras que lutam para manter a vida da população. Contamos com um grupo de especialistas e diretoras do sindicato, uma médica do trabalho, uma psicóloga e uma assistente social. Juntas realizam o acolhimento da trabalhadora ou trabalhador, bem como atendimento coletivo. Também elaboramos relatórios e realizamos ações junto ao Ministério Público do Trabalho.

Até mesmo trabalhadoras (es) de prédios administrativos da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná vêm sofrendo com o descaso do secretário de saúde em não autorizar o trabalho remoto, escalas diferenciadas e rodízio das equipes para garantir a segurança e colaborar com a redução da circulação das pessoas. Nem mesmo a Secretaria vem cumprindo os protocolos necessários para a contenção do coronavírus. Também há o sofrimento mental da categoria em conviver com as mortes diárias e há o constante sentimento de impotência diante do quadro grave causado pela doença, além da falta de insumos para tratamento da Covid-19. As mortes crescentes por conta da Covid-19 vêm afetando muito não só os e as profissionais que estão dentro dos hospitais. Toda a rede de atendimento do SUS está sendo atingida, seja estadual, seja municipal.